"… achei que ele viveria para sempre".

Essas palavras n?o saiam da cabe?a de Roxton desde que ele as leu no diário de Marguerite. Catherine o havia oferecido este privilégio na expectativa de que o nobre homem e a garota da selva confiassem em suas reais inten??es de salvar a humanidade ou parte dela. Porém, o que ocupava os pensamentos do ca?ador era o real significado daquela mensagem.

Sua rela??o com a herdeira sempre foi diferenciada em compara??o aos demais membros do grupo. Seus jogos de sedu??o, flertes, palavras trocadas eram um passatempo agradável para ambos. Desde a primeira vez que a viu, ainda na biblioteca de Challenger, se sentiu terrivelmente atraído por aquela misteriosa mulher. Era óbvia sua beleza, mas, Lorde Roxton teve em seus bra?os as damas mais lindas de Londres, talvez de toda a Europa, apenas a beleza n?o seria o suficiente para impressioná-lo. Embora, jamais reconheceria tal sentimento, Marguerite, a seu ver, reunia uma mistura inebriante de charme, requinte, independência, audácia, empáfia e até mesmo sua sutil arrog?ncia, enfim, ela era uma mulher feita de fogo e a?o, e isto o instigava a querer conhecer todos os seus segredos.

Afirmar para si mesmo que ela era apenas mais um da expedi??o a qual ele tinha por obriga??o proteger, tinha se tornado um exercício constante. Entretanto, em seu íntimo, o ca?ador já percebia que seus sentimentos por ela n?o eram apenas profissionais. Tentou, ent?o, se convencer de o que sentia era mera atra??o física. Tanto tempo perdidos naquele plat? teria afetado seu discernimento e o desejo de tê-la sempre por perto era fruto de uma necessidade viril reprimida. "Isto é perfeitamente justificável" pensava consigo. Para manter-se firme a seus valores nobres, por vezes, ele se mantinha afastado e evitando ceder a seus próprios instintos, por mais que isto fosse o que mais almejava.

Ainda que insistisse em acreditar em tais teorias, era fato consumado que o mundialmente ca?ador branco, nobre eloquente da casa de Lordes de Londres, estava experimentando algo totalmente novo, um sentimento que ao passo que o encantava também o assustava. John n?o tinha conhecido nenhuma mulher capaz de partir seu cora??o, mas, a herdeira era diferente, ele sabia, mesmo que inconscientemente, que se chegasse mais perto e se entregasse a esta emo??o poderia ser fatal. Há muito havia desistido do valor sua vida, mas, agora, era como se tivesse um motivo para viver.

Foi nisso que pensou quando leu as frases que Marguerite dedicara a ele nas páginas amareladas de seu diário. Por um momento, chegou a pensar que ela poderia compartilhar de tais sentimentos e tal angustia. Ent?o, se desesperou diante da possibilidade de perdê-la para sempre. Seria ele capaz de sacrificar sua vida pela dela? N?o haviam dúvidas que sim. Roxton encontraria um jeito de salvá-la, mesmo que isto significasse se condenar a morte por tal epidemia terrível. Sabia que a morte era menos pior que viver em um mundo onde Marguerite n?o existisse.

Observava, agora, da varanda, o motivo de suas inquietudes. Lá estava ela, sentada na clareira sob a copa da casa da árvore, cosendo algumas roupas surradas dos aventureiros. Parecia inquieta e desatenta pelo modo como praguejava as inúmeras vezes que espetava seu dedo com a agulha. Marguerite tinha expertise com tal instrumento, habilidade provavelmente herdada da educa??o que recebeu nos internatos os quais frequentou na inf?ncia e juventude. Estes lugares tinham por objetivo principal forjar mo?as educadas apenas o necessário para n?o causar algum tipo de constrangimento aos seus maridos, prendadas, recatadas, submissas e aptas a administrar um lar e cuidar de uma família. A herdeira n?o se encaixava perfeitamente a este perfil, seus conhecimentos acerca de geologia, arqueologia, linguística e diplomacia iam muito além do que as freiras poderiam lhe ensinar. John tinha curiosidade de saber quais experiências moldaram a Marguerite que conhecia hoje, apenas assim seria capaz de compreender algumas de suas atitudes controversas e também seu esfor?o em fazer com que as pessoas tenham uma vis?o t?o pouco amistosa dela mesma.

Mais um pequeno acidente, a bela morena leva o dedo a boca buscando interromper o fluxo de sangue que come?a a escorrer. Esta desaten??o n?o era comum a ela, sempre t?o metódica e calculista, por certo, lamentava ter perdido nova oportunidade de voltar para casa e iestes pensamentos a desconcentravam. Roxton também gostaria de voltar a Londres, mas, isso passou a ser dispensável, principalmente diante da incerteza de que na volta teria oportunidade de vê-la novamente. Tinha certeza que sentiria saudades do convívio com Marguerite, com os outros também, mas, principalmente com ela. De algum modo, o plat? tinha se tornado um lar, um lugar onde ele mesmo havia encontrado paz em sua vida cheia de remorsos e culpas.

Decidiu preparar duas xícaras de café e confrontá-la com as dúvidas que o consumiam.

Achei que precisava._ ele estendeu a m?o que segurava o recipiente cheio do líquido negro e fumegante.

Acertou, como quase sempre.

Marguerite pausou seus afazeres para apreciar a sua bebida favorita. Embora tenha sido Ned quem lhe apresentou ao café, e ao vício, era John, quem o preparava da forma mais saborosa, além disto, ele parecida adivinhar o momento exato que ela o necessitava.

Desde o ocorrido com Catherine e James, a herdeira se mantinha distante e distraída, refletia sobre a atitude que tomou naquela caverna. N?o que tivesse se arrependido, porém, algo nela tinha mudado. Se lhe fosse oferecido tal op??o meses antes ela n?o hesitaria em aceitar o que Kemper lhe propunha. A solid?o sempre foi sua mais leal companheira, e o dinheiro e poder sempre foram sua paix?o ou pelo menos eram essas as suas ambi??es antes de ficar presa com aquelas pessoas naquele maldito plat?. Sacrificar boa parte da humanidade em prol de seu vil conforto n?o seria algo impensável para alguém que nunca teve muito a perder. Porém, agora ela tinha algo precioso o qual ela n?o estava disposta a abrir m?o: a vida de seus amigos e a de John.

Marguerite se surpreendeu ao notar a verdade nas palavras que seu eu futuro escreveu no diário herdado por Catherine. Mais que surpresa, ela também sentiu dor. Que castigo cruel teria recebido sendo a responsável, mesmo que indiretamente, pela morte do homem que amava. Por meses ela tentava se convencer de que seus sentimentos por Lorde Roxton eram apenas uma atra??o boba, um jogo de gato e rato que lhe rendia momentos muito agradáveis, entretanto, sabia que no momento em que chegassem a Londres seus destinos jamais se cruzariam novamente. Ela n?o era apropriada para ocupar uma posi??o de Lady, seu passado obscuro e seu futuro incerto lhe garantiam isso. Imaginar um futuro com Roxton seria apenas um devaneio rom?ntico, e há muito tinha perdido a inocência para este tipo de ilus?es. Além disso, embora se comportasse como um cavalheiro, o ca?ador tinha sido claro em dizer que ela n?o era uma dama. No momento, isso n?o lhe causou mágoa, a opini?o das pessoas nunca a importou, porém, com o passar do tempo, a convivência e o carinho foram a transformando e ela chegou desejar n?o ter feito determinadas escolhas e talvez ser a dama digna de ser a próxima Lady Roxton. Isto era uma bobagem também, conhecendo homens como John sabia que ele queria uma aventura, encarava a vida assim. Duvidava que algum dia estabelecesse pouso seguro em algum lugar. Sempre desprezou o título, a fortuna, e às vezes a própria vida, caso contrário n?o estaria t?o conformado em estar preso neste mundo perdido.

Você parece desatenta._o ca?ador disse enquanto procurava um acento próximo a ela.

Impress?o sua._ desconversou enquanto aproximava a xícara de sua delicada boca.

N?o é o que seus dedos dizem.

N?o sabia que estava sendo vigiada._ usou de sarcasmo característico.

N?o é isso… apenas, estou intrigado com uma coisa.

E garanto que nada o impedirá de me questionar suponho.

Acertou._ ele piscou combinando um sorriso.

Sou toda ouvidos, Lorde Roxton. Que dúvida corrói seus pensamentos._ ela estava sendo ir?nica, mal sabia o quanto estava próxima da realidade.

Por que você hesitou em atravessar aquele portal?

Marguerite n?o podia acreditar no que acabava de ouvir. Ela sempre fez quest?o de parecer fria e desprovida de sentimentos fraternos, mas, a magoava pensar que John realmente acreditasse que ela seria capaz de sacrificar a todos por sua vontade de voltar a Londres. No tempo em que estiveram juntos, na casa da árvore ou em alguma aventura, a herdeira já tinha dado provas de sua lealdade.

Por que se surpreende? Assim como Kemper, você também me julga uma mulher fria e egoísta, capaz de condenar meia humanidade a morte por uma síndrome disseminada por mim? Talvez eu n?o seja t?o medíocre assim…

N?o, n?o, n?o… n?o foi o que eu quis sugerir…_ ele n?o imaginava que ela o interpretaria desta forma. Sua inten??o era n?o feri-la… nunca. Ao contrário, protegê-la tinha se tornado sua miss?o de vida._Marguerite… eu li o seu diário!_ disse de uma só vez antes que ela erguesse ainda mais seus muros de autodefesa. Só depois que a frase saiu de sua boca foi que se deu conta de qu?o inoportuna foi a escolha das palavras.

Você o que?_ uma breve indigna??o mesclada com desespero tomou conta da herdeira. O que ele leu? Porque desta argui??o? Como sempre fazia quando n?o sabia lidar com uma situa??o, Marguerite uso do ataque sua principal defesa. Ergue-se em posi??o de ataque come?ou a deferir palavras exaltadas_Isto é t?o abusivo e indiscreto e deselegante e… abusivo.

Bem, foi só uma parte… Catherine me ofereceu ler para que eu me convencesse sobre a história que contava. N?o pretendia invadir sua privacidade, apenas gostaria de saber o que você quis dizer quando mencionou que eu seria eterno.

A mulher se virou de costas, envergonhada. Tinha sido pega de surpresa. Falar sobre algo t?o íntimo a deixava terrivelmente vulnerável. De todas as pessoas, John era o único que a via com transparência. Era quase impossível mentir para ele, mesmo que o fizesse, ele saberia que n?o era verdade.

Porque é assim que eu o vejo. Você tem sempre a palavra certa e o controle da situa??o. Quando estou com medo, sei que chegará para me resgatar… para resgatar a todos. E isso me acalma. Como se nada pudesse me fazer mal se está por perto._ ela se recusou a fazer esta confiss?o olhando-o nos olhos._ Você me perguntou por que eu n?o atravessei o portal… porque eu n?o imaginaria viver no mundo onde você n?o existisse… sem que vocês n?o existissem. S?o o mais próximo que eu tive de uma família.

O ca?ador se comoveu com a sinceridade de Marguerite. Raras eram as vezes que ela se despia do seu manto de insensível e mostrava a mulher que realmente era. Sabia o quanto era difícil para ela demonstrar seus sentimentos e se o fez para ele, isso o fazia especial.

Roxton se aproximou da mulher que ainda estava de costas. Os passos do homem faziam-se romper galhos secos e folhas, a cada ruído aumentava a frequência cardíacas dela, estava difícil controlar sua respira??o. Sabia que estava perto e n?o conseguiria resistir a ele. John tocou seus ombros com as duas m?os, sentiu o perfume de seus cabelos quando encostou seu rosto nos cachos negros que tanto o encantavam. Ela sentiu seu corpo se arrepiar, desejava o seu toque. Ele a virou com delicadeza. Estavam muito próximos, ela ainda n?o o encarava, mas, o ca?ador com carinho ergueu seu queixo de modo que pudesse absorver toda a profundidade daqueles olhos verdes acinzentados. "Ela é t?o linda" pensou. Precisava tomar para si aqueles lábios, ele o fez. Marguerite correspondeu com mesmo entusiasmo. O beijo foi doce, terno e longo. Quando finalmente se afastaram, John foi o primeiro a romper o silêncio. Afagando seu rosto pálido, ele disse o que sentia no fundo de seu cora??o.

Suponho que eu também n?o imaginaria viver em um mundo onde você n?o existisse.